Um passageiro
indesejado
Certa vez um
navio navegava tranquilamente quando foi surpreendido pelo ataque de corsários.
Inutilmente o capitão tentou opor resistência. Os piratas, armados e experimentados no saque, invadiram a embarcação e roubaram
tudo que lhes parecia valioso ou útil. Por fim, antes de partir,
resolveram deixar no navio uma carga "inútil", um menino
que haviam capturado na última pilhagem na esperança frustrada de obterem algum dinheiro como preço de resgate.
Atiraram violentamente a criança no convés e saíram rindo zombeteiramente.
O capitão, tremendamente abalado pelo ataque que sofrera, ordenou aos marinheiros
que fizessem uma limpeza completa, a fim de que nenhum vestígio restasse
da invasão dos piratas.
E para que não ficasse a mais leve lembrança do triste episódio,
determinou que o menino fosse lançado ao mar.
A decisão surpreendeu os marinheiros, que argumentaram ser a criança inocente e
necessitada de apoio. O capitão replicou, porém, que a simples presença da criança lhe era molesta, uma vez que havia entrado sem permissão e como fruto
de uma violência. Além disso,
acrescentou, como dono do navio ele tinha o direito de dispor dos passageiros e
da tripulação. Conservar
ou não o menino era
uma decisão que cabia
exclusivamente a ele. Os súditos argüiram que o menino não era uma parte do navio sobre o qual o capitão tinha poder,
mas um ser humano digno de respeito. Além disso, acrescentaram, seria
demais levar a criança até o próximo porto e
deixá-la em terra
firme sob o cuidado de alguma família? O comandante, no entanto, foi
inflexível em sua
decisão. Como os
tripulantes hesitassem em cumprir sua ordem, ele próprio, irado,
agarrou a criança e atirou-a ao mar. No meio das ondas e sem saber nadar, ela logo foi
tragada pelas águas e afogou-se.
Espero que não apenas os marinheiros, mas também o leitor reprove a atitude do
capitão, que quis
descarregar sobre o menino a cólera contra os corsários. Pois esta atitude é defendida pelos que apóiam o direito de a mulher abortar quando a gravidez resulta de um
estupro. A argumentação é análoga: ela é dona do seu
corpo e pode dispor da vida ou da morte da criança. A simples presença da criança, fruto de
uma violência,
causa-lhe repulsa. E ela não é obrigada a
carregar um filho que foi gerado contra a sua vontade. A mulher tem portanto o
direito de livrar-se dele antes de dá-lo à luz. A "solução" para a
violência sofrida
seria uma nova violência, maior que a primeira, e praticada contra alguém
absolutamente inocente, que apenas desejaria o direito de nascer e pôr os pés em terra
firme.
Luiz Carlos Lodi
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